segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Honoré Daumier

Lembranças de St. Pelagie, 1834.

Homem e criança sobre a ponte, 1845.

Banhistas, 1852.

Honoré Daumier foi um pintor do movimento realista. O realismo preconizava uma visão materialista e positivista do mundo, onde o artista deveria observar e analisar a natureza para compreender a realidade com precisão. Com forte influência das doutrinas de Marx e Comte, o realismo acreditava que apenas a ciência poderia explicar este mundo e que não haveria algo como a transcendência, ou seja, nenhum estado metafísico ou espiritual poderia ser admitido.

Apesar de compreenderem que a realidade está em contínuo processo de evolução – visão dialética de Hegel e que Marx repetiu – os realistas pareciam mais preocupados apenas com a dimensão social da realidade, já que numa visão determinista são a sociedade, a cultura e a economia que dizem o lugar e a essência do homem.

Contudo, é interessante como em todo movimento artístico sempre há aquele artista que parece sentir-se incomodado com os limites impostos pelas determinações conceituais do movimento que toma parte. No realismo, creio que Daumier é o artista que melhor expressa esse inconformismo.

Seus quadros trafegam com uma velocidade espantosa por diferentes tendências e parecem nos mostrar as novas abordagens estéticas que estariam por vir. Daumier inicia-se como realista, mas seus quadros vão mudando de direção de modo paulatino ou brusco: o real dá lugar a expressões de angústia e solidão, densidade e luminosidade extravagante. Notamos em Daumier alguns traços próprios dos expressionistas e da corrente pontilhista, bem como uma busca subterrânea pelo movimento da luz, assim como nos impressionistas.

Daumier é um daqueles artistas que não gostam de compor uma trajetória de uma nota só. Muito pelo contrário, sua obra está repleta de mudanças constantes e que lhe conferem uma das marcas essenciais que está presente num tipo especial de grande artista: a diversidade.


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sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Claude Monet

A rua Bavolle em Honfleur, 1864.

A caçada, 1876.

Impressão: nascer do sol, 1872.

Proust inicia o seu grandioso Em Busca do Tempo Perdido já indicando que a memória, a lembrança, as impressões terão lugar privilegiado em sua busca: “Indagava comigo que horas seriam; ouvia o silvo dos trens que, ora mais, ora menos afastado, e marcando as distâncias como o canto de um pássaro em uma floresta, descrevia-me a extensão do campo deserto, onde o viajante se apressa em direção à parada próxima: o caminho que ele segue vai lhe ficar gravado na lembrança com a excitação produzida pelos lugares novos, os atos inabituais, pela recente conversa e as despedidas trocadas à luz de lâmpada estranha que ainda o acompanha no silêncio da noite, e pela doçura do próximo regresso”.

Creio que o símbolo máximo do Impressionismo está aí: a luz de lâmpada estranha. O movimento Impressionista não buscava mais as impressões “duradouras” da realidade, assim como fazia o movimento Realista. São as impressões que chegam até os artistas que devem ser a fonte de sua inspiração.

O Impressionismo busca traduzir as impressões que a luz e o movimento produzem no sujeito. O mundo objetivo não é mais encarado em sua concretude absoluta. Esvazia-se esta concretude quando se compreende que há uma dimensão no real atrelada à luz e ao movimento. Deste modo, o subjetivismo impressionista implica numa abordagem da própria existência, daí os temas recorrentes: pessoas em tarefas cotidianas, edifícios, paisagens abertas, o mar, a neve, etc.

Quando seguimos a trajetória de Monet, percebemos esta evolução estética que sua pintura vai elaborando passo a passo. Em Monet não há saltos bruscos. Inicialmente vinculado ao Realismo, Monet parece antever o poder que a luz e o movimento imprimem na realidade. Mesmo os seus quadros mais realistas como Troféu de Caça, O Canto do Estúdio ou O Cabo de La Hève na maré baixa já indicam a supremacia da luz.

Este processo de compreensão estética da luz e do movimento culmina com a obra Impressão: nascer do sol de 1872. Não é mais a forma, o tema, a história do quadro que é o mais importante. É a própria luz e o próprio movimento que ditam o ritmo da pintura. Não é de se estranhar que o título do quadro seja exatamente sobre o nascer do sol, ou seja, luz e movimento conjugados.

A força do Impressionismo é tão forte que até hoje sentimos esta busca na arte pela luz e pelo movimento. As diversas diretrizes que as pesquisas estéticas dos impressionistas produziram apontaram e apontam para horizontes diferentes, mas é em Monet, ao lado de Proust, que encontramos a fonte mais originária e poderosa.



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segunda-feira, 16 de agosto de 2010

H. R. Giger

Hieróglifos.

Li I.

Turista VI.

H. R. Giger é um pintor, escultor e designer suíço. Giger ficou mundialmente conhecido quando ganhou o Oscar de efeito visual pelo design do monstro alienígena do filme Alien. Entretanto, é em sua pintura que reconhecemos as origens de sua arte visionária e apocalíptica. Timothy Leary dizia que Giger conseguiu enxergar mais longe do que nós, simples macacos adestrados.

Apesar de suas pinturas possuírem quase que exclusivamente um tratamento monocromático, Giger trafega de modo bastante inusitado e inovador pelo surrealismo e pela arte fantástica, compondo temas que insinuam uma realidade ora de pesadelo ora alienígena. Mas a concepção de uma forma para além de nosso planeta não indica meramente uma aproximação com a literatura fantástica, mas uma concepção artística da relação do homem com as máquinas e com a vida no cósmico.

Esta relação do homem com as máquinas é batizada pelo artista como realidade biomecânica. Em Giger, o homem só é pensado em sua totalidade quando relacionado com as máquinas, com as construções que permitem que a vida humana se manifeste como a conhecemos hoje.

Este elemento técnico e alienígena em suas pinturas não atravanca, entretanto, a manifestação de uma sexualidade exagerada e quase imoral. Giger sofria de terror noturno e suas experiências com o pesadelo – uma das esferas de manifestação de nossas estruturas mais inconscientes – permitiram que sua pintura ganhasse uma originalidade muito marcante.

Claro que sentimos com nitidez a influência de Francis Bacon e Salvador Dalí em suas composições, mas a junção com os elementos acima citados – máquinas e vida alienígena – permitem que seus quadros ganhem vida própria. Porém – e isso é sintomático em sua arte – Giger não permite que suas sobras adquiram uma característica extremamente distante de nosso tempo, de nossa humanidade e conflitos.

Giger compôs um Tarot de Baphometh onde é feita uma leitura mística e filosófica de suas ideias religiosas e morais. Não encontramos pistas fáceis, mas sim indícios que apontam o tempo todo para uma mente aberta ao novo que surge com veemência em sua arte.

Giger é, possivelmente, um dos artistas contemporâneos que mais se antagonizam com a moral vigente e com os dogmas religiosos. Sua obra não é de fácil digestão exatamente por impor ao interlocutor esta necessidade de ir além de seus códigos morais e religiosos. Só assim, então, a beleza oculta de suas pinturas poderá se revelar e ser apreciada de modo justo.


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domingo, 8 de agosto de 2010

Max Ernst

O robe da noiva, 1940.

O anjo do coração e da casa, 1937.

Ad marginem, 1930.

O movimento dadaísta surgiu em Zurique – o nome DADA faz uma referência às primeiras palavras de uma criança – e possui como principais características o improviso, o sarcasmo, encarar a arte como uma brincadeira, rejeição a qualquer tipo de equilíbrio aparente, ênfase no ilógico, na contradição e no absurdo para se atingir uma esfera inconsciente da produção artística.

O surrealismo, por sua vez, surge logo após o dadaísmo e tem como grande mentor o escritor André Breton. O surrealismo possui pontos de contato com o dadaísmo, mas está mais centrado no aspecto onírico da produção artística, na polaridade entre orgânico e inorgânico, real e irreal, valendo-se de um humor diante da vida e de seus meandros mais obscuros.

Max Ernst foi um pintor alemão que vivenciou com toda a intensidade possível os dois movimentos citados. Ernst procurava expressar em sua arte os seus sentimentos mais intensos, sua visão de mundo transcendente e perturbadora. O aspecto visionário de suas pinturas – visionárias no sentido estrito mesmo da palavra – acentua ainda mais a compreensão junguiana de um inconsciente coletivo.

Ernst vivenciou as duas grandes guerras e um horror contínuo da eminência da destruição de nosso planeta perpassa aqui e ali as suas obras. O dadaísmo e o surrealismo se somam a um estilo absolutamente original, acrescentando às suas obras um sabor ora onírico ora terrível, onde o pesadelo se assoma às investidas de uma busca por compor uma dimensão mais clara do real.

Entretanto, em meio às contradições naturais que conduzem suas obras devido às suas escolhas como artista, a beleza inequívoca de suas escolhas estéticas aumenta ainda mais essa polaridade entre o terrível e o belo. Por outro lado, procurando tomar a mais plena ciência de seu próprio processo criativo, o artista faz um mergulho profundo em sua alma e retira de lá as informações mais valiosas possíveis para si mesmo e para seu público.

Visitar a obra de Ernst é como visitar um universo paralelo que, apesar de toda a sua estranheza e distanciamento, nos convida o tempo todo a uma meditação sobre a nossa própria realidade, já que nesse encontro se constrói uma intersecção entre o aqui e o além.

Em Ernst, estranhamento e reconhecimento andam de mãos dadas. O mais estranho, o mais distante, o mais assombroso possuem uma natureza peculiar e única que nos empurram para uma região onde exatamente o oposto se faz presente: o óbvio, o próximo e o conhecido se apresentam e permitem, assim, que o todo da obra seja revelado.


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sábado, 31 de julho de 2010

Paul Klee

Senecio, 1922.

Monumento num país fértil, 1929.

Design in nature, 1947.


Paul Klee (1879-1940) foi um pintor suíço que trafegou pelo cubismo, expressionismo, futurismo, abstracionismo e primitivismo. Entretanto, sua obra possui um poder de evolução gradual que atinge uma maturidade artística e pessoal dentro deste processo de auto-reconhecimento. Klee não adere totalmente ao abstracionismo de Kadinsky que renega a figura. Ao contrário, a forma, o figurativismo é uma marca importante do seu trabalho que alcança uma inventividade única dentro do cenário mundial da pintura.

Sendo um grande desenhista, não é de se estranhar sua paixão pelas formas. Porém, em outro sentido, diferentemente dos impressionistas que queriam demonstrar o movimento da luz, sua fugacidade e impermanência, muitas vezes vemos um Klee preocupado em dominar e aprisionar a luz em seus quadros. A forma, então, surge como a base deste processo de reter e enclausurar a luz.

Sua pintura recende aos seus mais diversos métodos e suas técnicas sempre inovadoras. Cada vez mais a pintura se mostra também através de seu processo de composição. Klee lançava mão das mais variadas possibilidades. Primeiro, os materiais: tinta a óleo, tinta preta, aquarela, rascunhos, verniz, papéis de parede, jornais, etc. Segundo, as técnicas: uso de spray, recortes de faca, mistura de tinta a óleo com aquarela e tinta indiana, etc.

Seus quadros possuem uma gama de cores tão diversificadas que pululam do mais simples quadro monocromático a uma profusão quase confusa de cores. Além do mais, as diversas influências do artista se encontravam nos momentos menos esperados, causando uma combinação extremamente inovadora, capaz de causar reconhecimento e estranheza ao mesmo tempo.

Riqueza de estilos, uma assombrosa modernidade, um gosto refinado e bem elaborado são algumas das grandes virtudes de Klee. Um pintor que, para ter sua obra conquistada, necessita de um despojamento sincero de seu interlocutor. Parafraseando Eggonópoulos: para poucos.



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domingo, 25 de julho de 2010

Di Cavalcanti

Onde eu estaria feliz, 1965.

Mulata, s/d.

Samba, 1928.

Os pensadores brasileiros sempre seguiram a ideia européia de buscar a essência das coisas. Isto fica mais evidente quando o assunto é definir a essência de ser brasileiro. Grandes pensadores como Gilberto Freyre, Darci Ribeiro e Sérgio Buarque de Holanda tentaram explicar a formação de nossa essencialidade, seja através do nosso processo de colonização, da influência dos negros em nossa cultura, das nossas origens indígenas ou das contribuições dos imigrantes. Todos tentaram elaborar uma resposta fechada para uma questão sempre aberta: o que é, de fato, ser brasileiro?

Creio que os artistas foram mais felizes do que os acadêmicos. O movimento conhecido como A Semana de Arte de 1922 foi uma resposta a tal questionamento. Os artistas da semana estavam interessados não apenas em desenvolver uma linguagem artística brasileira – com influências estrangeiras, é claro – mas também em alcançar essa essência. E chegaram a um ponto em comum: a diversidade. Ser brasileiro é, antes de tudo, estar inserido na possibilidade de ser diverso, seja em termos étnicos, culturais, sociais ou religiosos. Somos o povo da diversidade onde as diversas raças se encontram e se misturam, onde as diversas expressões culturais se encontram, se chocam, se antagonizam e se fundem.

Di Cavalcanti participou da Semana de 1922 com 12 obras, além de elaborar a capa do catálogo da exposição. Di Cavalcanti estava ciente de nossa diversidade e seus quadros revelam essa abordagem. Apesar de influenciado estilisticamente pelo cubismo, expressionismo e pelo muralismo mexicano (principalmente Diego Rivera), Di Cavalcanti alcançou uma voz muito sua, personalíssima, elaborando temas tipicamente brasileiros como as gafieiras, as rodas de samba, as mulatas, as ruas das favelas do Rio de Janeiro, a sensualidade típica de nossas mulheres, as festas populares e as nossas praias. Mas também possui um olhar sobre as questões sociais de nosso país, retratando operários, a vida nas favelas e os protestos sociais.

Di Cavalcanti adotou a linguagem das vanguardas européias como meio de atingir sua própria voz, adotando uma temática nacionalista e uma preocupação com as questões sociais de seu tempo. Além do mais, as cores escolhidas acentuam essa busca por um dizer artístico exclusivamente brasileiro.

As obras de Di Cavalcanti transpiram essa diversidade essencialmente brasileira. Cores profusas, fortes e alegres, mulatas, violeiros, pescadores, dançarinos compõem essa viagem sobre nós mesmos e, mais uma vez, aponta para nossa essência: a diversidade.



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sexta-feira, 16 de julho de 2010

Pablo Picasso

Primeira comunhão, 1895-6.

A bebedora de absinto, 1901.

A tragédia, 1903.

Pablo Picasso (1881-1973) é um pintor de diversas fases, diversas escolas e diversos interesses. Ele sai do realismo, passa pelo expressionismo e cubismo até atingir a pintura naïf. Ele costumava dizer que pintava como um velho quando era criança, e como criança quando era velho.

Particularmente, não me interessa a fase cubista de Picasso (apesar do caráter mitológico que muitas vezes a invade) e nem tampouco as suas pinturas que mais parecem coisas de criança. O que me atrai na pintura de Picasso são suas fases rosa e azul. Principalmente a fase azul.

Na fase azul descobrimos um Picasso introspectivo. A densidade que ele atinge usando o azul é uma coisa impressionante. A melancolia perpassa de cima a baixo suas composições que nos trazem este antagonismo intrigante: a leveza e solidão da melancolia em contraste com o sofrimento e desolação que ela produz.

Picasso era um artista muito ciente de sua arte e do alcance de suas idéias. A solidão que sempre o acompanhou como artista – com a rara exceção de Paul Cézanne – o ajudou a elaborar este mundo particular que povoa seus quadros.

Na fase rosa encontramos um Picasso totalmente diferente. Arlequins, palhaços, acrobatas e dançarinos - que compõem um mundo circense – possuem o poder de demonstrar a transição do artista. Não é mais a melancolia que rege a composição, mas sim o distanciamento de pessoas que aparentemente deveriam estar juntas.

A busca constante de Picasso pela ingenuidade da infância se faz presente nesta fase, mas de um modo que ele mesmo reconhecia ser diametralmente oposto à ingenuidade da infância. Como todo grande artista, Picasso possui coisas que gostamos e outras não. Seja como for, o seu gênio maior reside numa produção constante, ardente, diversificada e inovadora.




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sábado, 10 de julho de 2010

Piet Mondrian

Vista de Winterswijk, 1988-9.

Noite de verão, 1906.

Composição, 1921.

Piet Mondrian (1872-1944) foi um pintor modernista holandês. Mondrian é um exemplo muito claro de um pintor que trafega do naturalismo para conquistas pessoais na pintura. O impressionismo e o pós-impresionismo, assim como a fase inicial do cubismo de Braque e Picasso, o influenciariam, mas não permitiriam, ao mesmo tempo, que ele atingisse sua voz própria.

É conhecido o envolvimento de Mondrian com a teosofia de Blavatsky e a carga simbolista que este encontro gerou em sua pintura. Entretanto, o mais importante deste encontro para sua pintura foi a capacidade de abstração que Mondrian adquiriu. É nesta fase de ruptura que o pintor envereda pelo neoplasticismo, movimento que busca atingir a limpeza total da pintura, buscando aquilo que é essencial.

O neoplasticismo advogava em favor do aspecto artificial da arte, ou seja, ela é, antes de tudo, uma produção humana. Daí, na pintura, o uso exagerado das cores primárias e do branco e do preto, ausentes na Natureza, já que são, respectivamente, presença total e ausência total de luz.

A revista De Stijl era o arauto da filosofia neoplástica que combinava elementos de religião (a teosofia) e concepções da pintura (o cubismo, por exemplo). Para Mondrian, a arte não figurativa deveria fornecer as pistas de uma evolução espiritual, já que aqui teríamos estruturas universais que iriam além do Id freudiano – aproximando-se dos ceonceitos de episteme em Foucoult e estruturas inconscientes em Lévi-Straus.

Por fim, vale ressaltar que Mondrian, na sua fase madura, acentua a imobilidade. Nenhum outro pintor conseguiu retratar de modo tão convincente a inércia, polaridade natural do movimento. Esta inércia, de fato, traduz a busca de Mondrian pela coisa em si (Das Ding an sich) de Schopenhauer e Kant. Diferentemente dos filósofos citados, Mondrian acreditava que a coisa em si era alcançável através de um processo de purificação, atingindo, na pintura, a mais perfeita harmonia e equilíbrio.


segunda-feira, 5 de julho de 2010

Edward Hopper

Luz a duas luzes, 1927.

Gasolina, 1940.

Nighthawks, 1942.

O impressionismo – que teve como principais representantes Monet, Manet, Degas e Renoir - surge a partir do quadro Impressão – Nascer do Sol de Monet. Ali, a pintura compreende o poder da luz, isolando-o do todo da composição e transformando-o no atributo essencial de suas composições. A impressão que o real causa no observador é impermanente, já que a luz é variação temporal, mudança e movimento perpétuo.

Esta concepção da impressão é clara no início do primeiro tomo de Em Busca do Tempo Perdido de Proust e aparece também nas composições de Debussy e Ravel com seus tons inteiros e ambientações capazes de provocar no ouvinte esta ideia de impermanência que a realidade causa em nós.

Diferentemente de Paul Klee – que buscava imobilizar a luz em seus quadros – Hopper se utiliza da luz não como tema principal, já que estamos falando de um pintor realista, mas sim como um dos pontos de apoio mais fortes para compor seu mundo artístico, criando movimento e imobilidade a um só tempo.

Em Hopper, a luz trabalha a favor da composição das paisagens ou construções, das pessoas e das linhas mestras do tema escolhido; não como o agente principal, mas como coadjuvante. A luz, em Hopper, delimita esse espaço imaginário que nos permite visualizar a mudança em si e estabelecer cenários, conceitos e a própria realidade.

Entretanto, além deste ponto, a luz aqui nos fornece as características mais marcantes da aproximação que Hopper faz com suas abordagens sobre a solitude, a solidão do viajante, a quietude da natureza, a harmonia do homem com seu ambiente – seja ele um escritório, um bar ou um descampado – declarando abertamente seu amor pela vida tanto nas coisas simples quanto em paisagens magníficas.

Hopper afirmava que há um limite que a linguagem atinge, mas em que ainda reside algo para ser dito. É aí, segundo ele, que entra a pintura: dizer aquilo que as palavras não conseguem expressar. De fato, assim creio, Hopper poderia ser traduzido como um poeta das cores e das formas, já que há um cenário sobre o qual é montado um enredo ou sobre o qual uma forte impressão de profundidade do real emerge a todo tempo.

A escolha por pintar hotéis, escritórios, bares, motéis e estradas – locais públicos onde as pessoas se encontram – não impede que suas telas reverberem a mais ampla quietude que a solidão do homem traz sempre consigo. Público e privado, movimento e imobilidade, luz e escuridão convivem lado a lado e nos brindam com a própria essência daquilo que é.

sábado, 26 de junho de 2010

Francis Bacon

Estudo para o Papa Inocêncio X de Velazquez, 1953.



Pintura, 1946.



Segunda versão do tríptico 3, 1944.

Francis Bacon (1909-1999) foi um pintor irlandês que tinha como tema principal de suas pinturas a sua própria angústia, o peso absurdo de sua existência. O Grito de Edward Münch é reconhecidamente uma das maiores expressões de angústia que a pintura nos legou. Entretanto, o sofrimento, a dor psicológica, o desespero, a angústia e a ira possuem sua maior expressão em Bacon.

Suas figuras austeras e torturadas, isoladas e desoladas nos convidam para esse mundo profundo de suas dores. Bacon era homossexual e seu pai, Eddy Bacon, treinador de cavalos de raça, não aturava tal comportamento. Bacon apanhava com um chicote “para se tornar um homem”, dizia seu pai. Além disso, ele era trancafiado no armário da casa numa tentativa insana de mudar a sexualidade do filho. Bacon afirmou que “aquele armário me fez!”.

A apreciação estética em Bacon trafega para o orgânico em seu sentido mais lúbrico e vivo, bem como para a carne que simboliza a ferocidade desta luta entre moral e desejo. Secreções, peças inteiras de partes de corpos decepados, bocas em transes de angústia e desconforto, figuras isoladas em ambientes tétricos e agressivos compõem uma alucinação que se quer lúcida sobre si mesma.

Diferentemente de Dali que pintava os sonhos, Bacon – como muito bem disse um crítico – pintava o pesadelo. Daí a densidade, o terror, o inusitado e feroz em seus quadros. A jornada que as pinturas de Bacon nos oferecem não é fácil e nem tampouco agradável. Mas a arte jamais pode se eximir de tratar também do lado obscuro do ser humano. Goya anteviu, assim como Bosch, esse terror que nos habita e que precisa ser dito e reconhecido através do poder inigualável da arte e que Bacon não se recusa, um instante que seja, a seguir.


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quinta-feira, 17 de junho de 2010

Sir Lawrence Alma-Tadema

O Tepidarium de 1881.


Audiência na casa de Agrippa de 1876.


Um costume favorito de 1909.

Sir Lawrence Alma-Tadema pode ser considerado um homem do Renascimento em pleno século XIX e XX. Suas pinturas neoclássicas flutuam entre cenas que retratam o Egito, a Grécia e Roma Antigas. Sua obsessão pelo luxo e decadência destes impérios lhe fornece uma variedade de ambientes e temas que enriquece a todo tempo seus quadros.

Tadema nos obriga, para uma devida apreciação estética de suas pinturas, a possuir um conhecimento mínimo de História, Literatura, Mitologia e Ciência. Suas composições estão repletas de referências a uma destas esferas do conhecimento humano e seria muito fácil se perder diante de suas obras sem um reconhecimento mínimo daquilo que o artista se propõe.

Há uma tendência pré-rafaelista em seus trabalhos que se faz sentir devido à luminosidade e traços humanos de suas composições. Tadema não quer inovar a arte da pintura. Ele quer apenas excelência. Daí se tornar muito clara sua paixão pelo retorno – ideia tão cara aos renascentistas.

Pode-se inferir que seu estilo está marcado por suas flores profusas, pelas texturas quase vivas e objetos de metal que dão peso ao todo da obra, bem como por seus mármores e tijolos que trafegam com desenvoltura entre suas personagens que exalam este ar inconfundível de antiguidade, luxúria ou decadência. Sem dúvida alguma, um grande mestre.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Caspar David Friedrich

Mulher na janela, 1822.

A entrada do cemitério, 1825.

Navio naufragado à luz da lua, 1835.

Caspar David Friedrich é um dos meus pintores favoritos. Este mestre do movimento romântico alemão possui um talento alegórico e simbólico impressionante. Suas telas estão recheadas de silhuetas que surgem diante de um céu denso à noite, em meio à névoa que se espraia sobre a terra com seu poder de tornar sagradas todas as coisas ou entre árvores retorcidas que nos conduzem a um sentimento forte de desolação ou mares revoltos e construções góticas belíssimas.

Há, neste pintor, uma busca constante pela experiência espiritual que a vida pode nos oferecer. As silhuetas nos falam de pessoas introspectivas, abandonadas em si mesmas e em contemplação profunda – uma contemplação sobre o mundo que as cerca e sobre suas próprias vidas. Entretanto, esta busca não esconde um forte lastro de melancolia que paira no todo da composição. A densidade das cores, atreladas a uma pincelada tão fina e extremamente técnica, nos fornece mais pistas para tentarmos entender este gênio.

É estranho escutarmos alguns críticos chamarem sua obra de anacrônica. Parece-me que tudo hoje que não seja uma instalação ou pintura abstrata ou conceitual é anacrônico. O velho Nikolai Seroff, se vivo, poderia dizer que suas mais sombrias expectativas sobre a arte haviam se confirmado neste novo século. Como é possível alcunhar de anacrônico este espírito imorredouro que nos habita e a tudo quer abraçar? Como dizer que esta ânsia por nossa grandiosidade é anacrônica? E pior de tudo, é anacrônico este sentimento atávico de comunhão com todas as coisas, mas que esconde em seu fundamento uma angústia indizível? Creio que não.

Este poder de contemplação que Caspar David Friedrich possui sobre a grandiosidade espiritual do homem – entendida aqui no seu sentido estritamente filosófico – e a angústia que a acompanha sempre permite vislumbrarmos esta atemporalidade filosófica que busca entender o homem e que surge também no movimento Expressionista. Trata-se de uma visão da existência no que ela possui de mais aterrador, belo, misterioso e profundo. A vida nunca será anacrônica.

Para conhecer um pouco mais de suas obras – já que este pintor não aparece no site da ABC Gallery – o link é:
http://www.caspardavidfriedrich.org/

domingo, 6 de junho de 2010

Hieronymus Bosch

A tentação de Santo Antônio, 1500s.


A ascensão do bendito, 1500s.


Hyeronimus Bosch (1450-1516) é um desses artistas que possui um poder criativo fora de série. Apesar de possuir influências de mestres como Dürer e Grünenwald, Bosch afasta-se da tradição flamenga na pintura para desenvolver seu estilo único. Um sentimento constante de terror e êxtase perpassa suas pinturas que ora retratam uma calmaria que parece que irá se dissipar através de mãos mágicas e poderosas ora expressam um horror e ansiedades próprias do seu tempo.

Sua visão trágica da existência humana sofre um contrapeso com sua abordagem alegre e caricatural da loucura e da ascensão espiritual. Um universo em que realidade, sonhos, pesadelos e a mais potente imaginação se fazem presentes é um solo mais que propício para se afirmar que Bosch – um pintor do século XVI – possa ser tido como uma das mais importantes fontes de inspiração para o movimento surrealista de Dali - apesar de particularmente acreditar que o surrealismo é extremamente inferior à grandiosidade de Bosch.

Por trás deste mundo criativo, talvez seja possível inferir uma influência quase herética nas composições de Bosch, influências estas que possivelmente apontam para as doutrinas dos Catares (ou albingenses que pregavam o extremo ascetismo e renegavam os sacramentos católicos) e do hermetismo (aqui se trata do cristianismo gnóstico do século I). O que é fato, entretanto, é a controvérsia entre os estudiosos de sua obra sobre o conteúdo moral de suas ideias artísticas. Bosch não é um artista – como todo grande artista – que possa se fechar sobre definições simplórias e fáceis. Sua obra, assim como o seu tempo, exige um tratamento profundo, uma escuta atenta.

Seja como for, é sempre surpreendente quando nos deparamos com seus quadros e percebemos essa vontade inconsciente de transcender seu tempo. Bosch é um daqueles pintores que temos que visitar e revisitar sempre.





segunda-feira, 31 de maio de 2010

Jackson Pollock

Number 5 de 1948.


Number 8 de 1948.

Particularmente, não tenho muita simpatia pelas pinturas abstratas. A cor pela cor, na minha humilde opinião, carece de um sentido mais vasto que a pintura quer nos oferecer. Hoje em dia, na Academia, o figurativismo é considerado quase uma heresia. Mas a culpa desta visão canhestra é da própria Indústria Cultural: é o público, o mercado quem dita o que deve ser pintado. Se não agrada ao público, não deve ser bom. Isso é em parte culpa também da incompetência de Duchamp enquanto pintor: nada mais natural do que pegar um urinol e transformá-lo em arte, a arte conceitual ou ready made. Duchamp não tinha o talento de Picasso ou Cézanne, mas queria ser consagrado como artista, então precisava tomar uma atitude e tomou. Entretanto, o que admiro em Duchamp é sua originalidade. De uma incompetência, ele soube fazer seu nome.

Mas este não é o caso de Pollock com seu expressionismo abstrato. É interessante ouvirmos ou lermos comparações com a técnica de Pollock com a possibilidade de que uma criança ou um chimpanzé podem fazer o mesmo. Isso é verdade, eles podem mesmo. Mas a questão não é tanto a técnica, mas sim o fato inegável de que quando olhamos qualquer pintura que use a técnica da action painting, somos naturalmente levados a pensar em seu criador: Pollock.

Este pintor americano possui o estranho poder da polaridade: ou você ama suas obras ou você as odeia, não há meio termo. Como para mim a pintura só interessa se, antes de tudo, possuir beleza – conceito por conceito, permaneço na boa e velha Filosofia – Pollock é um dos poucos pintores abstratos que vez ou outra consegue transmitir beleza em meio ao seu caos inconsciente que é a fonte de sua energia enquanto pintor. Contudo, mais do que tudo, o que admiro em Pollock é o fato de ser um artista inimitável (digo no sentido de ser copiado mesmo, como acontece com Vermeer, Da Vinci ou Rembrandt, por exemplo) e que conseguiu imprimir seu estilo acima de tudo. Para um artista, conseguir imprimir sua marca na história de sua arte é um fato inestimável e que possui, por si só, um poder absoluto. Gostem ou não.



terça-feira, 25 de maio de 2010

Reynaldo Fonseca


Mulheres tomando vinho e crianças, 2004.



Tocando bandolim, 2008.


Reynaldo Fonseca nasceu no Recife em 1925. Transferiu-se para o Rio em 1949 quando se tornou aluno do mestre Portinari e estudou, em seguida, com Henrique Oswald. Pintor que possui um poder de composição refinado, além de transparecer uma influência dos medievalistas e renascentistas. Para além do mistério e nostalgia que pretende demonstrar em suas telas, Fonseca consegue, com suas composições, escolhas de cores, personagens e objetos, elaborar uma pintura do silêncio, da quietude. Nada parece possuir pressa ou peso excessivo em suas pinturas. Há uma harmonia intrínseca entre os personagens e a paisagem que possibilita esta navegação pela quietude mais intensa. O prazer estético que este mestre consegue produzir revela um artista de grande alcance e completude técnica. Suas mulheres e crianças, bem como seus vasos, instrumentos musicais e máscaras permitem que o mistério se case com o silêncio, dando ao todo da obra este espectro mais bem resolvido de transcendência e plenitude.