sábado, 26 de junho de 2010

Francis Bacon

Estudo para o Papa Inocêncio X de Velazquez, 1953.



Pintura, 1946.



Segunda versão do tríptico 3, 1944.

Francis Bacon (1909-1999) foi um pintor irlandês que tinha como tema principal de suas pinturas a sua própria angústia, o peso absurdo de sua existência. O Grito de Edward Münch é reconhecidamente uma das maiores expressões de angústia que a pintura nos legou. Entretanto, o sofrimento, a dor psicológica, o desespero, a angústia e a ira possuem sua maior expressão em Bacon.

Suas figuras austeras e torturadas, isoladas e desoladas nos convidam para esse mundo profundo de suas dores. Bacon era homossexual e seu pai, Eddy Bacon, treinador de cavalos de raça, não aturava tal comportamento. Bacon apanhava com um chicote “para se tornar um homem”, dizia seu pai. Além disso, ele era trancafiado no armário da casa numa tentativa insana de mudar a sexualidade do filho. Bacon afirmou que “aquele armário me fez!”.

A apreciação estética em Bacon trafega para o orgânico em seu sentido mais lúbrico e vivo, bem como para a carne que simboliza a ferocidade desta luta entre moral e desejo. Secreções, peças inteiras de partes de corpos decepados, bocas em transes de angústia e desconforto, figuras isoladas em ambientes tétricos e agressivos compõem uma alucinação que se quer lúcida sobre si mesma.

Diferentemente de Dali que pintava os sonhos, Bacon – como muito bem disse um crítico – pintava o pesadelo. Daí a densidade, o terror, o inusitado e feroz em seus quadros. A jornada que as pinturas de Bacon nos oferecem não é fácil e nem tampouco agradável. Mas a arte jamais pode se eximir de tratar também do lado obscuro do ser humano. Goya anteviu, assim como Bosch, esse terror que nos habita e que precisa ser dito e reconhecido através do poder inigualável da arte e que Bacon não se recusa, um instante que seja, a seguir.


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quinta-feira, 17 de junho de 2010

Sir Lawrence Alma-Tadema

O Tepidarium de 1881.


Audiência na casa de Agrippa de 1876.


Um costume favorito de 1909.

Sir Lawrence Alma-Tadema pode ser considerado um homem do Renascimento em pleno século XIX e XX. Suas pinturas neoclássicas flutuam entre cenas que retratam o Egito, a Grécia e Roma Antigas. Sua obsessão pelo luxo e decadência destes impérios lhe fornece uma variedade de ambientes e temas que enriquece a todo tempo seus quadros.

Tadema nos obriga, para uma devida apreciação estética de suas pinturas, a possuir um conhecimento mínimo de História, Literatura, Mitologia e Ciência. Suas composições estão repletas de referências a uma destas esferas do conhecimento humano e seria muito fácil se perder diante de suas obras sem um reconhecimento mínimo daquilo que o artista se propõe.

Há uma tendência pré-rafaelista em seus trabalhos que se faz sentir devido à luminosidade e traços humanos de suas composições. Tadema não quer inovar a arte da pintura. Ele quer apenas excelência. Daí se tornar muito clara sua paixão pelo retorno – ideia tão cara aos renascentistas.

Pode-se inferir que seu estilo está marcado por suas flores profusas, pelas texturas quase vivas e objetos de metal que dão peso ao todo da obra, bem como por seus mármores e tijolos que trafegam com desenvoltura entre suas personagens que exalam este ar inconfundível de antiguidade, luxúria ou decadência. Sem dúvida alguma, um grande mestre.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Caspar David Friedrich

Mulher na janela, 1822.

A entrada do cemitério, 1825.

Navio naufragado à luz da lua, 1835.

Caspar David Friedrich é um dos meus pintores favoritos. Este mestre do movimento romântico alemão possui um talento alegórico e simbólico impressionante. Suas telas estão recheadas de silhuetas que surgem diante de um céu denso à noite, em meio à névoa que se espraia sobre a terra com seu poder de tornar sagradas todas as coisas ou entre árvores retorcidas que nos conduzem a um sentimento forte de desolação ou mares revoltos e construções góticas belíssimas.

Há, neste pintor, uma busca constante pela experiência espiritual que a vida pode nos oferecer. As silhuetas nos falam de pessoas introspectivas, abandonadas em si mesmas e em contemplação profunda – uma contemplação sobre o mundo que as cerca e sobre suas próprias vidas. Entretanto, esta busca não esconde um forte lastro de melancolia que paira no todo da composição. A densidade das cores, atreladas a uma pincelada tão fina e extremamente técnica, nos fornece mais pistas para tentarmos entender este gênio.

É estranho escutarmos alguns críticos chamarem sua obra de anacrônica. Parece-me que tudo hoje que não seja uma instalação ou pintura abstrata ou conceitual é anacrônico. O velho Nikolai Seroff, se vivo, poderia dizer que suas mais sombrias expectativas sobre a arte haviam se confirmado neste novo século. Como é possível alcunhar de anacrônico este espírito imorredouro que nos habita e a tudo quer abraçar? Como dizer que esta ânsia por nossa grandiosidade é anacrônica? E pior de tudo, é anacrônico este sentimento atávico de comunhão com todas as coisas, mas que esconde em seu fundamento uma angústia indizível? Creio que não.

Este poder de contemplação que Caspar David Friedrich possui sobre a grandiosidade espiritual do homem – entendida aqui no seu sentido estritamente filosófico – e a angústia que a acompanha sempre permite vislumbrarmos esta atemporalidade filosófica que busca entender o homem e que surge também no movimento Expressionista. Trata-se de uma visão da existência no que ela possui de mais aterrador, belo, misterioso e profundo. A vida nunca será anacrônica.

Para conhecer um pouco mais de suas obras – já que este pintor não aparece no site da ABC Gallery – o link é:
http://www.caspardavidfriedrich.org/

domingo, 6 de junho de 2010

Hieronymus Bosch

A tentação de Santo Antônio, 1500s.


A ascensão do bendito, 1500s.


Hyeronimus Bosch (1450-1516) é um desses artistas que possui um poder criativo fora de série. Apesar de possuir influências de mestres como Dürer e Grünenwald, Bosch afasta-se da tradição flamenga na pintura para desenvolver seu estilo único. Um sentimento constante de terror e êxtase perpassa suas pinturas que ora retratam uma calmaria que parece que irá se dissipar através de mãos mágicas e poderosas ora expressam um horror e ansiedades próprias do seu tempo.

Sua visão trágica da existência humana sofre um contrapeso com sua abordagem alegre e caricatural da loucura e da ascensão espiritual. Um universo em que realidade, sonhos, pesadelos e a mais potente imaginação se fazem presentes é um solo mais que propício para se afirmar que Bosch – um pintor do século XVI – possa ser tido como uma das mais importantes fontes de inspiração para o movimento surrealista de Dali - apesar de particularmente acreditar que o surrealismo é extremamente inferior à grandiosidade de Bosch.

Por trás deste mundo criativo, talvez seja possível inferir uma influência quase herética nas composições de Bosch, influências estas que possivelmente apontam para as doutrinas dos Catares (ou albingenses que pregavam o extremo ascetismo e renegavam os sacramentos católicos) e do hermetismo (aqui se trata do cristianismo gnóstico do século I). O que é fato, entretanto, é a controvérsia entre os estudiosos de sua obra sobre o conteúdo moral de suas ideias artísticas. Bosch não é um artista – como todo grande artista – que possa se fechar sobre definições simplórias e fáceis. Sua obra, assim como o seu tempo, exige um tratamento profundo, uma escuta atenta.

Seja como for, é sempre surpreendente quando nos deparamos com seus quadros e percebemos essa vontade inconsciente de transcender seu tempo. Bosch é um daqueles pintores que temos que visitar e revisitar sempre.